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A NEUROBIOLOGIA E A ESSÊNCIA DOS MITOS

A NEUROBIOLOGIA E A ESSÊNCIA DOS MITOS

Os mitos sempre ocuparam um lugar especial na história da humanidade. São narrativas que transcendem o tempo, e trazem mensagens que falam diretamente às nossas emoções, aos nossos conflitos internos e às grandes questões existenciais. Carl Jung, um dos maiores estudiosos do inconsciente, descreveu os mitos como fragmentos do inconsciente coletivo – padrões universais de significado que moldam a psique humana. Mas, será que os mitos são meramente culturais ou espirituais? E se as suas raízes estiverem na nossa biologia?

O livro “The Neurobiology of the Gods”, de Erik Goodwyn, oferece uma perspetiva fascinante e revolucionária. A partir de uma abordagem interdisciplinar, o autor explora como a fisiologia cerebral pode estar na base das imagens recorrentes que encontramos em mitos e sonhos. Para Goodwyn, estruturas como o sistema límbico, a amígdala e o córtex pré-frontal desempenham um papel crucial na criação das narrativas que, ao longo dos séculos, moldaram as nossas civilizações. Os deuses, os monstros e os heróis que encontramos nas mitologias do mundo seriam, então, projeções simbólicas das dinâmicas internas do cérebro humano.

A neurobiologia desafia a visão romântica que muitos têm dos mitos. Historicamente, estas histórias foram interpretadas como explicações culturais ou espirituais para fenómenos naturais e sociais. No entanto, Goodwyn argumenta que os mitos não são apenas criações culturais: são expressões de processos biológicos profundos. Por exemplo, o sistema límbico – responsável por regular emoções como o medo, a raiva e o desejo – pode explicar a presença de arquétipos universais como o herói que enfrenta o dragão (um símbolo do medo primordial) ou a figura da mãe divina (uma manifestação de segurança e cuidado). O que torna esta perspetiva fascinante é o facto de ligar ciência e espiritualidade de forma prática. Quando compreendemos que os mitos refletem processos biológicos, podemos usá-los como ferramentas para entender e trabalhar os nossos próprios conflitos emocionais. As narrativas míticas tornam-se, assim, espelhos das nossas próprias experiências internas.

Goodwyn não se limita a apontar as bases neurobiológicas dos mitos, ele sugere que estas histórias têm uma função prática. Os mitos ajudam-nos a lidar com as nossas emoções, a integrar traumas e a construir significado em momentos de crise. Por exemplo, o mito da Fénix – que renasce das cinzas – pode ser interpretado como uma representação simbólica do processo de cura após a adversidade. Quando nos identificamos com estas histórias, ativamos partes do nosso cérebro ligadas ao processamento emocional, o que pode ajudar na autorregulação e no crescimento pessoal. Esta ideia ganha ainda mais força quando olhamos para a função dos sonhos, que muitas vezes reproduzem símbolos arquetípicos. Segundo Goodwyn, os sonhos funcionam como um “laboratório emocional”, onde o cérebro ensaia respostas para os desafios da vida. Assim, tanto os mitos quanto os sonhos têm um papel adaptativo: ajudam-nos a navegar o mundo interno e externo.

Muitos críticos podem argumentar que esta abordagem desumaniza os mitos, reduzindo-os a meros processos biológicos. No entanto, Goodwyn defende que a neurobiologia não elimina a magia do mito, em vez disso, amplia o seu significado. Reconhecer que estas histórias têm raízes na nossa biologia não diminui a sua profundidade espiritual ou cultural. Pelo contrário, mostra-nos que a espiritualidade e a ciência podem coexistir, cada uma lançando luz sobre diferentes aspetos da mesma realidade. Quando pensamos nos mitos como projeções do cérebro humano, percebemos que eles não são algo externo a nós. São parte de quem somos, moldados pelas mesmas estruturas que regulam as nossas emoções e pensamentos. Esta visão devolve aos mitos o seu lugar de direito: não como histórias desconectadas da realidade, mas como reflexos das dinâmicas mais profundas da mente humana.

A abordagem de Goodwyn é um convite à integração. Ela pede que não vejamos a ciência e a espiritualidade como opostos, mas como partes complementares de uma compreensão mais ampla do ser humano. Os mitos continuam a ser narrativas poderosas, mas agora entendemos que o seu poder não vem apenas do simbolismo cultural. Eles são ferramentas práticas, enraizadas na biologia, que nos ajudam a compreender e a transformar a nossa própria psique. Ao ligarmos os mitos à neurobiologia, Erik Goodwyn dá-nos uma nova forma de os valorizar. Eles não são apenas histórias antigas; são mapas do cérebro humano, guias para a autorregulação emocional e espelhos das nossas aspirações mais profundas. Os deuses continuam a ensinar-nos, e agora compreendemos que o seu templo mais sagrado está dentro de nós: o cérebro.

Tags :
Medicina Chinesa,NEUROBIOLOGIA

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