Há algo de profundamente intrigante e ao mesmo tempo perturbador no modo como o nosso sistema nervoso nos guia através da vida. A ciência moderna ensina-nos que o cérebro humano, em particular o sistema nervoso, tem como objetivo principal a sobrevivência. Este objetivo primário de nos manter vivos influencia cada decisão, cada impulso e cada reação que temos, muitas vezes sem que estejamos conscientes disso. Contudo, há uma peculiaridade neste processo que merece ser discutida: por que razão, em muitas situações, nos encontramos presos a padrões familiares de sofrimento, conflito e caos, mesmo quando sabemos que poderíamos escolher um caminho de paz? A resposta está na programação profunda do nosso sistema nervoso, particularmente na forma como foi moldado pelas nossas experiências de vida, sobretudo durante os primeiros anos. O ambiente em que crescemos, as interações que tivemos com as nossas figuras parentais e a dinâmica emocional da nossa família formaram o alicerce das nossas reações emocionais e das nossas escolhas inconscientes. O que nos é familiar torna-se, para o sistema nervoso, sinónimo de segurança, mesmo que esse “familiar” seja disfuncional e caótico.
Na prática, isto significa que, enquanto adultos, continuamos a recriar os mesmos padrões de caos emocional que experimentámos durante a infância, mesmo que conscientemente desejemos algo diferente. É uma armadilha invisível: o nosso corpo e mente sentem-se mais seguros no meio de dinâmicas destrutivas que nos são familiares do que numa paz desconhecida, por mais apelativa que esta possa parecer. Para muitos de nós, o caos é uma velha companhia, e a paz, por mais desejada, surge como uma ameaça — algo que o nosso sistema nervoso ainda não compreende e portanto, rejeita. Um exemplo clássico pode ser visto nas relações amorosas. Quantas vezes alguém, após terminar uma relação tóxica, jura nunca mais se envolver com alguém semelhante, apenas para acabar a repetir o mesmo padrão com outra pessoa? Este ciclo vicioso não acontece por falta de desejo de mudar, mas sim porque o sistema nervoso está a operar a partir de uma base inconsciente que associa o conhecido (mesmo que doloroso) com segurança. Para o sistema nervoso, o caos é algo que já aprendeu a gerir, ao passo que a paz — desconhecida e estranha — é algo que não sabe como lidar.
Mas será que estamos condenados a viver presos a este ciclo? Felizmente, a resposta é não. No entanto, para rompermos com estes padrões, é necessário um trabalho consciente e intencional de cura e reprogramação do sistema nervoso. O primeiro passo neste processo é a consciência: reconhecer que os nossos padrões repetidos de escolha de caos sobre paz não são defeitos de caráter, mas sim mecanismos de defesa enraizados. Quando compreendemos que o nosso sistema nervoso está programado para evitar o desconhecido, começamos a perceber que a cura requer intencionalidade e paciência. Uma das abordagens mais eficazes para reprogramar o sistema nervoso é o trabalho de regulação emocional. Isto inclui práticas como a meditação, a respiração consciente e o desenvolvimento de autoconsciência sobre as respostas automáticas que temos a certos estímulos. Através destas práticas, começamos a “desacelerar” o nosso sistema nervoso, permitindo-nos responder de forma mais consciente às situações em vez de reagir com base em velhos padrões.
Outro passo crucial neste processo de cura é aprender a reconhecer a paz. Para muitos de nós, a ideia de paz pode parecer entediante, desconfortável ou até ameaçadora. No entanto, é importante começar a familiarizar o nosso sistema nervoso com esta nova sensação de segurança. Isto pode ser feito, por exemplo, ao passar tempo em ambientes calmos, rodeados por pessoas que trazem uma sensação de tranquilidade, ou mesmo praticando o autocuidado de forma consistente. Ao fazer isto, estamos a reprogramar o nosso sistema para entender que a paz não é algo a temer, mas sim algo em que podemos confiar. Curiosamente, este processo de cura não é apenas emocional, mas também físico. Estudos mostram que o sistema nervoso autónomo — particularmente a relação entre o sistema nervoso simpático (associado a respostas de “luta ou fuga”) e o sistema nervoso parassimpático (associado ao descanso e digestão) — pode ser treinado a responder de forma diferente através de práticas frequentes de regulação emocional. Ao longo do tempo, o nosso corpo aprende a sair do estado de alerta constante que associa o caos à segurança, e começa a encontrar uma sensação de equilíbrio em situações de calma.
Ainda assim, o processo de escolher a paz sobre o caos é gradual. Envolve revisitar feridas antigas e aprender a integrá-las, em vez de as ignorar. Também implica aprender a reconhecer e a romper com as narrativas internas que perpetuam a ideia de que o caos é inevitável. Afinal, muitas vezes, a nossa mente constrói narrativas sobre quem somos e sobre o que merecemos com base nas experiências passadas. Se crescemos num ambiente caótico, é provável que, em algum nível profundo, acreditemos que o caos é o nosso destino. Mas essa crença, como tantas outras, pode ser desafiada e transformada. A grande verdade é que o nosso sistema nervoso pode ser reprogramado, mas isso requer intencionalidade e prática. E, mais importante ainda, requer a disposição de aprender a confiar numa nova forma de estar no mundo — uma forma que não perpetua os ciclos de sofrimento e conflito, mas que nos permite escolher, conscientemente, a paz.
No final, a cura é um caminho de aprendizagem. E aprender a escolher a paz sobre o caos é uma das lições mais profundas e transformadoras que podemos abraçar. Pode não ser fácil no início, e haverá momentos em que o caos parecerá a escolha mais natural. Mas com o tempo, à medida que curamos as nossas feridas e reprogramamos o nosso sistema nervoso, começamos a perceber que a paz não é estranha — é o nosso verdadeiro estado natural. E a partir desse lugar de tranquilidade, finalmente aprendemos a viver de uma forma que nos permite florescer.
"Uma clínica em que tenho todo o prazer de fazer lá qualquer tipo de tratamento, pois, sei, que ao confiar no processo e no conhecimento da equipa que os resultados pretendidos iram ser atingidos. Grato por me fazerem sentir em casa, como uma verdadeira família."