CENTRO TERAPÊUTICO DE BENAVENTE

O PARADOXO DA AUTENTICIDADE

QUANDO SER FIEL A SI MESMO PODE LIMITAR-NOS

Ser autêntico. A expressão soa poderosa e libertadora. Muitos de nós crescemos a ouvir conselhos sobre a importância de sermos fiéis a nós mesmos, de mantermos a nossa integridade e de não nos desviarmos dos nossos valores mais profundos. No entanto, será que essa busca pela autenticidade não esconde algumas armadilhas? Será que sabemos sempre quem somos e, mais importante, será que essa “versão de nós” não merece evoluir ao longo do tempo?

Esta reflexão leva-nos ao que podemos chamar de “paradoxo da autenticidade”. Este paradoxo revela uma tensão interna que todos enfrentamos: a tentativa de sermos coerentes com quem acreditamos ser, enquanto enfrentamos as inevitáveis mudanças que a vida nos impõe. Muitas vezes, essa tentativa de coerência pode prender-nos a uma versão ultrapassada de nós mesmos, dificultando o nosso crescimento pessoal e profissional.

TRÊS CRENÇAS COMUNS SOBRE A AUTENTICIDADE

Existem três crenças muito difundidas sobre o que significa ser autêntico, mas que, ao serem seguidas rigidamente, podem limitar o nosso desenvolvimento. São elas:

1. Ser verdadeiro a si mesmo

“Seja você mesmo”. Este conselho é tão comum que quase se tornou um mantra cultural. A ideia por trás dele é de que devemos ser fiéis à nossa essência. Mas aqui está o problema: qual versão de “nós mesmos” devemos seguir? A pessoa que fomos no passado? A pessoa que somos agora? Ou a pessoa que desejamos ser?

Muitas vezes, ao apegarmo-nos a uma ideia estática de quem somos, perdemos a hipótese de experimentar novas possibilidades. Por exemplo, imagine uma pessoa que se considera tímida e introvertida, se ela insiste em “ser verdadeira a si mesma”, talvez evite situações que exijam exposição pública ou liderança, pois isso “não está no seu feitio”. Mas será que não está, de facto? Ou será que se está limitar com base numa versão passada de si mesma?

Para crescer, é preciso permitir-se ser fluido. A versão de quem somos hoje não precisa ser a mesma de quem fomos ontem. Na verdade, a vida exige que evoluamos. Aquilo que outrora parecia distante, incómodo ou “não natural” pode, com o tempo e a prática, transformar-se em parte de nós.

2. Dizer sempre o que pensa

A sinceridade é amplamente vista como uma virtude. Desde crianças, aprendemos que “mentir é errado” e que a honestidade é o melhor caminho. Contudo, a aplicação literal desta ideia pode gerar desafios.

Nem sempre é apropriado ou útil dizer tudo o que pensamos. Há contextos em que uma palavra mal colocada pode prejudicar uma relação ou um objetivo maior. Imagine um líder numa reunião de trabalho que, num momento de tensão, decide expressar toda a sua frustração sem filtros. Certamente, isso será “autêntico”, mas será estratégico? Será que a honestidade brutal nesse caso é o melhor caminho?

A autenticidade não precisa ser sinónimo de transparência absoluta. Ser autêntico também significa ser sensível ao contexto e capaz de ajustar a forma de comunicar. Isso não significa falsidade, mas sim inteligência emocional. Adaptar a comunicação à situação não é abandonar a autenticidade — é uma forma de maturidade. Afinal, não somos seres unidimensionais. Podemos ser autênticos e, ao mesmo tempo, flexíveis.

3. Manter-se fiel aos próprios valores

Se os valores são o alicerce das nossas decisões, então mantê-los intactos pode parecer uma excelente forma de autenticidade. Mas os valores também evoluem. Pense no que considerava importante há 10 ou 15 anos atrás. Será que ainda acredita nas mesmas coisas? Será que as suas prioridades de vida, trabalho e relacionamentos não mudaram?

Aqui reside outro ponto crucial: muitos dos nossos valores estão ligados a papéis que desempenhamos, por exemplo, uma pessoa que trabalha como gestor pode valorizar a eficiência e o controlo. No entanto, ao assumir o papel de pai ou mãe, esses mesmos valores podem ser desafiados, pois a parentalidade exige paciência e flexibilidade. Ser autêntico, neste caso, não seria adaptar-se ao novo papel?

Além disso, os contextos mudam. Durante uma crise, podemos ter de tomar decisões que desafiam os nossos princípios anteriores. Um exemplo comum é o de pessoas que, num contexto de desemprego, aceitam trabalhos que antes não aceitariam. Isso não significa que elas “se traíram”, mas sim que se adaptaram a uma nova realidade. Muitas vezes, as circunstâncias forçam-nos a reavaliar aquilo que acreditamos ser inegociável.

O QUE SIGNIFICA SER AUTÊNTICO, AFINAL?

A origem etimológica da palavra “autenticidade” vem do grego authenteo, que significa “ser o autor”. Isso muda completamente a nossa perspectiva. Em vez de uma ideia fixa de identidade, o conceito passa a ser dinâmico: não se trata de “ser”, mas de “tornar-se”. Ou seja, a autenticidade não está em manter uma versão fixa de nós mesmos, mas em sermos os criadores da nossa própria narrativa. Para isso, precisamos de abrir espaço para a experimentação, precisamos de aceitar que tentar algo novo não nos torna “falsos”, mas sim autores de uma nova página da nossa história. Este é o verdadeiro sentido de “ser fiel a si mesmo” — não à versão antiga de quem somos, mas à capacidade de nos reinventarmos continuamente.

O PARADOXO NA PRÁTICA

Mas como aplicar isso na prática? Aqui estão algumas sugestões:

1. Reflita a sua identidade regularmente: Pergunte-se: “Quem sou eu hoje, em comparação com quem fui no ano passado?”. Aceite que algumas partes de si precisarão mudar para que outras possam florescer.

2. Aceite a flexibilidade: Dizer “não sou assim” é uma desculpa que pode limitar o seu potencial. Em vez disso, pergunte: “O que me impede de tentar?”. Muitas vezes, o medo é o único obstáculo.

3. Reavalie os seus valores: Os seus valores atuais ainda servem à sua vida atual? Ou são relíquias de uma época passada? É natural que novos contextos exijam novas perspectivas.

4. Permita-se errar: Ser autêntico não é acertar sempre. Experimentar, falhar e tentar de novo também faz parte do processo de autoria da própria vida.

A AUTENTICIDADE DO FUTURO

Se pudesse reescrever o capítulo deste ano da sua vida, o que faria de forma diferente? Talvez tenha evitado certos desafios por medo de “não ser do seu feitio”. Talvez tenha recusado oportunidades porque “não faziam parte de quem é”. Agora, imagine se encarasse esses desafios com uma perspectiva de crescimento, não de coerência. Será que as suas escolhas mudariam?

O verdadeiro paradoxo da autenticidade é que, para sermos realmente autênticos, precisamos permitir-nos ser inconstantes. A rigidez em “ser o mesmo de sempre” é uma prisão. A flexibilidade, por outro lado, é liberdade.

Ser autêntico não é um destino, mas um processo de autoria contínua. Você não é o que foi, nem o que é. Você é aquilo que está a criar.

Tags :
AUTENTICIDADE,Medicina Chinesa

Partilhe este artigo:

Artigos recentes

Abrir WhatsApp
Olá, 👋 Precisa de alguma ajuda?
Olá, 👋
Precisa de alguma ajuda?