
O artigo “Uma grande nuvem de poeiras”, publicado recentemente na revista Sábado e assinado por Renato Gomes Carvalho, levanta uma crítica pertinente sobre a proliferação de serviços de bem-estar emocional que carecem de fundamentação científica e rigor profissional. No entanto, ao restringir a legitimidade do cuidado emocional apenas à psicologia e a profissionais com formação académica convencional, a análise comete um erro perigoso: desconsidera a complexidade da experiência humana e a diversidade de caminhos legítimos para o autoconhecimento e a transformação pessoal.
CIÊNCIA SIM! MAS NÃO SÓ CIÊNCIA…
Não há dúvida de que a validação científica é fundamental na construção de práticas eficazes e seguras. No entanto, a história das ciências humanas ensina-nos que muitas abordagens hoje amplamente aceites foram, num primeiro momento, tratadas com ceticismo e desconfiança. A terapia cognitivo-comportamental ou mesmo a acupuntura, atualmente reconhecida pela Ordem dos Médicos, como uma competência médica, por exemplo, começaram sem uma referência académica e, apenas com o tempo, foram incorporadas ao mainstream científico. Isso leva-nos a uma questão central: será que apenas aquilo que já foi testado dentro do método científico tem valor no cuidado emocional? Se assim fosse, estaríamos a ignorar milhares de anos de conhecimento humano acumulado em práticas como a meditação, as artes marciais, as tradições filosóficas e vários sistemas de autocuidado que, mesmo sem uma chancela científica formal, provaram a sua utilidade para inúmeras pessoas ao longo do tempo.
A FALÁCIA DA AUTORIDADE ACADÉMICA
O artigo sugere que apenas profissionais com formação superior e códigos deontológicos podem atuar no campo do bem-estar emocional. Mas um diploma, por si só, não é garantia de competência ou ética. Ao longo da história da psicologia, tivemos exemplos de práticas oficialmente validadas que se mostraram prejudiciais, tais como a lobotomia ou mesmo as terapias de conversão para pessoas LGBTQ+. E, no dia-a-dia, não faltam relatos de psicólogos e psiquiatras que não demonstram qualquer empatia, não conseguem estabelecer vínculo terapêutico com os seus pacientes ou aplicam métodos padronizados sem considerar as necessidades individuais dos pacientes. Por outro lado, há profissionais sem formação académica convencional que, através de experiência prática, estudo autodidata e uma dedicação genuína, conseguem ajudar muitas pessoas a melhorar as suas vidas. É evidente que isso não significa que qualquer um possa atuar no campo do bem-estar emocional sem critério, mas sugere que competência e credibilidade não são sinónimos de títulos académicos.
O ELITISMO DA PSICOLOGIA FORMAL
Outro ponto negligenciado pelo artigo é a questão do acesso. A psicologia tradicional, especialmente quando realizada por profissionais altamente qualificados, pode ser cara e inacessível para grande parte da população. Além disso, muitas pessoas não se identificam com abordagens clínicas convencionais e procuram caminhos alternativos ou complementares para o seu desenvolvimento pessoal. O mercado do coaching, mentoring e terapias alternativas e complementares, surgiu em parte, como uma resposta a essa mesma lacuna. Ainda que existam muitas práticas questionáveis dentro desse universo, (muitas mesmo), a procura crescente por esses serviços reflete uma necessidade real de apoio emocional acessível, flexível e adaptável a diferentes perfis de indivíduos. A pergunta que devemos fazer é: se alguém encontra alívio e melhora a sua qualidade de vida através de um coach ou mentor de desenvolvimento pessoal, essa experiência deve ser desconsiderada apenas porque não foi mediada por um psicólogo? O bem-estar emocional não deveria ser um monopólio académico, mas um direito de todos, acessível através de abordagens múltiplas e integradas. Isso leva-nos ao verdadeiro problema: não é a diversidade de práticas que ameaça a integridade do campo do bem-estar emocional, mas sim a falta de regulação e transparência em algumas dessas abordagens. Ao invés de descartar todas as práticas alternativas como charlatanismo, talvez a solução esteja em exigir mais clareza e responsabilidade dos profissionais dessas áreas. O que diferencia um profissional ético de um oportunista não é a sua formação académica, mas a sua capacidade de estabelecer limites, comunicar claramente o que sua abordagem pode ou não oferecer e reconhecer quando um caso deve ser encaminhado para outra área de ação, mais adaptada às necessidades específicas do indivíduo em questão. Isso significa que um coach ou mentor sério não se deve apresentar como substituto da psicologia, mas como um possível complemento à mesma.
O artigo “Uma grande nuvem de poeiras” faz uma crítica válida ao sensacionalismo e às promessas infundadas no campo do bem-estar emocional, mas falha ao sugerir que apenas a psicologia convencional é uma via legítima para o desenvolvimento humano. Ao invés de rejeitar novas abordagens, o caminho mais inteligente é promover um debate honesto sobre critérios de qualidade, ética e transparência. O bem-estar emocional é um campo vasto e multifacetado, e a ciência não deve ser usada como um filtro excludente, mas como uma ferramenta para melhorar e orientar uma diversidade de práticas. O verdadeiro desafio não é eliminar alternativas, mas garantir que todas as abordagens, sejam elas científicas ou tradicionais, sejam oferecidas de maneira responsável, respeitosa e genuinamente voltadas para o bem-estar das pessoas. Afinal, o autoconhecimento e a transformação pessoal não têm uma estrada única – mas todas devem ser percorridas com seriedade e integridade.
"Uma clínica em que tenho todo o prazer de fazer lá qualquer tipo de tratamento, pois, sei, que ao confiar no processo e no conhecimento da equipa que os resultados pretendidos iram ser atingidos. Grato por me fazerem sentir em casa, como uma verdadeira família."